As falhas no sistema de registro eletrônico de acidentes no Brasil permitem que carros que deveriam estar fora de circulação, voltem às ruas, colocando em risco a vida da população. Dados da PRF - Polícia Rodoviária Federal, retirados do Datatran, todos os anos os acidentes causados por falhas mecânicas em rodovias federais oscilam entre 5 e 7% do total de ocorrências.
Estes dados são muito maiores já que, como há falhas no sistema de registro, também não estão computados os acidentes urbanos e nas estradas estaduais.
Em todo o mundo, cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem a cada ano em decorrência de acidentes no trânsito, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas. A entidade aponta os veículos inseguros como um dos principais fatores de risco à vida, ao lado de outras questões graves como erros humanos, excesso de velocidade e condução sob influência de álcool. Nesse quesito, encaixam-se desde carros sem condições de trafegar devido à falta de manutenção e inspeção veicular até aqueles envolvidos em acidentes os sinistrados e que, por descuido das autoridades, ainda estão em circulação.
De acordo com os dados da OPAS, os acidentes de trânsito custam à maioria dos países 3% de seu produto interno bruto (PIB).
No Brasil, essa cifra ultrapassa os R$ 130 bilhões todos os anos, segundo estudo recente do IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
E um dos problemas que agravam esse quadro é a subnotificação ou a notificação irregular dos acidentes. O diretor executivo da Fenive - Federação Nacional da Inspeção Veicular, Daniel Bassoli, destaca que isso é muito comum, já que nem todo acidente é registrado com boletim de ocorrência, por motivos diversos, mesmo com o lançamento do boletim eletrônico em muitos estados brasileiros.
A medida, que ao mesmo tempo veio para facilitar e desburocratizar a vida do cidadão, também resultou no aumento do número de carros irregulares em circulação. Isso ocorre, segundo ele, porque no caso dos acidentes sem vítimas, mas considerados de "média ou grande montas" quando o veículo fica gravemente danificado ou inutilizado, respectivamente , o boletim de ocorrência eletrônico não exige a apresentação das imagens do veículo após a colisão.
Ou seja, carros que deveriam sair de circulação acabam sendo recuperados e revendidos posteriormente, inclusive pelo valor real de mercado.
"É uma falha crônica do sistema de registro em todo o Brasil, por falta de soluções sistêmicas robustas e integração entre os diversos sistemas municipais, estaduais e o federal, que possam registrar realmente todos os acidentes ocorridos. Sem isto, não é possível controlar a reparação adequada dos veículos", alerta Bassoli.
Em março deste ano, Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que condenou uma loja de veículos a devolver os valores pagos por um cliente que adquiriu uma Ferrari F-430 por R$ 1,17 milhão, em 2009, sem saber que o carro teve sua estrutura recuperada após se envolver em acidente grave. Bassoli ressalta que esse tipo de episódio demonstra a vulnerabilidade a que os cidadãos estão expostos quando o assunto é a segurança veicular, independentemente de classe econômica.
"Ninguém quer ser lesado ou colocar a sua vida ou vida das pessoas que ama em risco, mas é isso que acontece quando uma pessoa vende um carro que sofreu danos estruturais e deveria estar fora de circulação", observa o especialista.
As diretrizes da OPAS ressaltam que os "veículos seguros desempenham um papel essencial na prevenção de acidentes e na redução da probabilidade de lesões graves".
Lei
A advogada especialista em trânsito Fernanda Kruscinski, assessora jurídica da Fenive, explica que o problema legal está no descumprimento das exigências da Resolução 810/20 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A medida orienta sobre a classificação de danos e os procedimentos para a regularização, a transferência e a baixa dos veículos envolvidos em acidentes.
Segundo Fernanda, o artigo 3.º da Resolução prevê que todo veículo envolvido em acidente deve ser submetido à avaliação da autoridade de trânsito para classificação do dano. A medida foi criada devido ao grande número de veículos acidentados que eram recuperados e voltavam a circular em condições inadequadas.
